domingo, agosto 13, 2006

Cap. 2 (Escrito por Rui Martins Borges)

Lá em baixo, ninguém ligou aos gritos de tão habituados que estavam a ouvi-los por tudo e por nada. Os homens continuavam a cortejar as putas e elas o seu dinheiro à medida que se sentavam ao seu colo e pediam ao empregado de balcão garrafas e mais garrafas de champanhe.
Mário, o terceiranista, tapou os olhos àquela que o acompanhava. Ela entrou num profundo estado de choque ao ver Adelaide nua, coberta por um imenso cobertor de sangue. Apesar disso, o cliente estudantil mandou-a descer para avisar Isaura do sucedido. Com as mãos trementes agarrava-se ao corrimão enquanto descia lentamente os degraus de madeira podre. O corrimão coberto de ferrugem era tão frágil que dava sinal de poder cair a qualquer momento.
Mário manteve o olhar fixo na consternada mulher que gemia a cada passo que dava. Então, rodou novamente o olhar para a mulher ensanguentada, deitada na cama. Mirou em redor e nas paredes viu os claros traços das pedras na parede. A tinta estalou já há muito tempo e as infiltrações eram constantes. Os ratos eram uma visita indesejada que, naquele momento, se encontravam à volta do corpo atraídos, talvez, pelo cheiro do sangue. No chão escuro, várias garrafas de vinho estavam caídas. Todas vazias. Em cima de uma mesa-de-cabeceira, uma travessa de prata barata, certamente oferecida por um nobre, continha peças de fruta e carne. Os ratos banqueteavam-se. O aspirante a médico aproximou-se da cama e inspeccionou a travessa… Reconheceu algo nela, mas tinha medo de admiti-lo. Fitando os roedores, acocorou-se e concentrou-se. Finalmente reconheceu o objecto que servia de alimento e vomitou ajoelhado, apoiado numa mão. Limpou a boca e levantou-se. Levou os olhos ao peito aberto de Adelaide, confirmando o que vira na bandeja. O coração fora removido…
Os seus olhos encaminharam-se para uma cadeira. Nela estavam as roupas da rameira impecavelmente dobradas, sem uma nódoa de sangue. Dirigiu-se a elas, mas não lhes mexeu e o seu olhar confuso voltou-se novamente para Adelaide. Ouvia as pessoas a subirem as escadas aos berros e em passo apressado. Olhou intrigado para a expressão da vítima, que parecia estar descontraída, quase sorrindo com o cabelo cuidadosamente escovado cobrindo os ombros.

2 comentários:

Anónimo disse...

Achei este segmento muito ilustrativo e totalmente de acordo com as noções do primeiro excerto.
Adoro ver um hostória bem conseguida e devo dizer que esta historia a várias mão é uma ideia bastante conexa e bonita.
espero poder assistir a ideias tão surpreendentes como esta no decorrer do escrito

Luis disse...

Não leia apenas, Micaela. Escreva também.