quinta-feira, agosto 17, 2006

Cap. 3 (Escrito por Luísa Peres)

A mente de Mário via e revia todos os acontecimentos a que assistira na madrugada de sábado. Tudo aquilo o inquietava. Não o corpo aberto, como terceiranista, já tinha visto alguns, mas o mistério que envolvia aquela morte.
Quem fizera aquilo? Talvez algum cliente. Mas que cliente? Eram muitos aqueles que tinham Adelaide como preferida. E porquê? Com certeza não seria por não ter gostado do serviço. Adelaide, como nenhuma outra, sabia agradar um homem.
Mário sentia necessidade de solucionar aquele mistério, de saciar a sua curiosidade.
-Mário, Dr. Mário Mendonça? - quem chamava era o professor Reinaldo.
-Sim, desculpe... - respondeu Mário ainda aturdido.
-Não lhe agrada o tema da aula de hoje? Ou a minha exposição está demasiado enfadonha? - perguntou o professor com um sorriso nos lábios. Sabia que as suas aulas eram tudo menos enfadonhas, caso contrário o anfiteatro não estaria sempre cheio.
Mário sorriu constrangido. Nada respondeu, sabia que as perguntas eram de retórica e usadas apenas para o despertar.
O resto do dia correu com normalidade. As aulas terminaram às três da tarde. No dia seguinte tinha exame, mas não se sentia com cabeça para se entregar aos livros. Nem com disposição para um estudo em grupo na biblioteca da universidade. Optou por ir dar uma volta para espairecer. Quando saiu para o exterior sentiu um frio cortante que, com um gesto automático, o levou a traçar a capa do traje académico. O céu parecia querer desabar. Se não soubesse as horas, diria que o dia estava a findar.
Deambulou pelas quelhas e vielas da cidade, sem destino, até que deu por si nas imediações do bordel de D. Isaura. Diminuiu o compasso dos passos até se deter. Em frente à casa encontrava-se parada uma carreta. Mário permaneceu imóvel durante algum tempo. Tudo aquilo lhe parecia estranho. Os colegas tinham comentado que a casa tinha cessado os seus serviços, por tempo indetermidado. D. Isaura colocara mesmo a hipótese de não voltar abrir a porta. Nem outras coisas.
Que se passaria ali? Mal Mário formulou mentalmente esta questão, viu dois homens transportarem, com alguma dificuldade, um embrulho comprido, envolto num plástico preto. Logo de seguida surgiu D. Isaura acompanhada de um homem. Era dificil não a reconhecer, mesmo àquela distância. O homem que a acompanhava também não lhe era de todo estranho. O padrão do casaco que usava era-lhe familiar.
- É o professor Reinaldo. - Sussurrou Mário, surpreendido. Não havia dúvidas. Que fazia ele ali?
Mário aproximou-se um pouco mais. Mas voltou a parar repentinamente. Pálido, segurou-se a um candeeiro de rua. Ao colocarem o embrulho negro na carreta, umas das pontas desdobrou-se deixando entrever um rosto. Aquilo que eles transportavam era um corpo. Era Adelaide.
Num gesto automático, Mário rodou os calcanhares e fez o percurso inverso, desta vez com um passo muito mais rápido. Pelo caminho recordou-se da conversa que tivera com alguns colegas. Tinham estado presentes na casa de Isaura, no dia seguinte ao sucedido. Queriam prestar uma última homenagem à mulher que lhes deu a conhecer novos prazeres, que jamais esqueceriam. Será que o funeral não tinha acontecido?
Mário entrou com pressa na pensão onde residia. Na sala de convívio encontrou aquilo que procurava. O Jornal de Coimbra. Rapidamente localizou o artigo que pretendia: Coimbra ainda murmura os acontecimentos do último fim de semana. As informações são escassas, mas tudo indica que foi um crime premeditado. Muitas são as teorias que surgem. O funeral de Adelaide da Conceição, realizou-se ontem, segunda-feira, 13 de Fevereiro de 1905, na Igreja de....

peres.luisa@gmail.com

5 comentários:

Anónimo disse...

Estou a adorar o andamento da história.

Anónimo disse...

Joana... porque não escrever também? Certamente tem ideias para expor. ;)

Anónimo disse...

uma thriller de época. mt bem.

Anónimo disse...

No inicio pareceu-me uma escrita muito feminina mas gostei muito do preenchimento, especialmente a citação do jornal que, a meu ver, permite um grande espaço de continuação e adensa a agitação em torno do homicídio. Gostei bastante deste excerto. Mais uma vez: Parabéns pela ideia e Parabéns aos "seguidores".

Luis disse...

Micaela, participe também.