quarta-feira, junho 21, 2006

Cap. 1 (Escrito por Luís Miguel Rocha)

Da cidade dos estudantes brota uma validez social, política e cultural desde tempos imemoráveis, perdidos na história, quando Coimbra ainda nem isso se chamava e tinha outro nome qualquer. O fado conquistou o seu lugar e é comparável aos outros, se é que há mais do que um e as suas Faculdades de Medicina e Direito, as mais prestigiadas do país, cativam trabalhadores de carteira e guias turísticos de livros escolares de todos os cantos do Império.
É comum ver-se nas quelhas e nas vielas e nos becos a enraizada cultura estudantil rica em atritos, chutos, pontapés e leis de praxe que alteram os seus decretos ao sabor da quantidade de álcool ingerida. E se com pouco é lei um aluno caloiro, como se chamam aos desbarbados, andar nu a tentar equilibrar um pau de marmeleiro no queixo, com muito é natural ver o doutor a cascar no novato com o marmeleiro até perder os sentidos, um ou outro. Um dos pontos preferidos de emborque, dos estudantes maiores que não se misturam com a ralé, é a Cervejaria Libório, na Rua Direita. Todos os dias há que levar e contar, espalhados pelas mesas ou no balcão a beber e a falar e a beber, ou a falar e a beber e a beber, tudo o que tenha álcool, copo grande, pequeno ou pela garrafa, a sede é sempre muita e o calor desidrata apesar de ser noite e estar a chover.

Porém, nada disso é regra nesta noite fria na Cervejaria Libório. Os jovens universitários não vêm munidos da alegria das outras noites, nem tão pouco da mesma vontade de beber. Sussurram de uns para alguns, como se contassem algum segredo sobre o macabro acontecimento do fim de semana passado.

Às quatro da manhã de Sábado havia ainda animação na casa da puta Isaura, local onde muitos dos futuros médicos e advogados acabam por pernoitar. Alguns devem mesmo perguntar-se se alguma vez dormiram no quarto alugado pela família da Capital e outros nem devem saber onde fica. O cheiro a mijo é o aroma da casa, imperceptível após uma mão cheia de visitas ou uma noite bem regada. Dona Isaura é mulher de grande asseio, alta, gorda e um buço que se assemelha a um bigode.

Nessa noite correu bem o negócio até que um dos últimos noctívagos em busca de prazer, um terceiranista do curso de Medicina, entra no estabelecimento comercial. Escolhe a Adelaide, uma das mais célebres putas de Coimbra. Paga e é conduzido ao quarto da donzela no segundo andar. Quando entra descobre-a deitada na cama toda aberta, não na esperança de ser penetrada, mas esventrada de forma brutal, tipo lição de anatomia. A barriga estava com as peles abertas para os lados em forma de exposição. Toda a parte genital tinha desaparecido. O terceiranista não passou da porta e assim que a jovem que o acompanhou coloca os olhos desinteressados em tal selvajaria um grito ecoou pela casa inteira.