terça-feira, novembro 21, 2006

Cap. 12 (Escrito por Runa Mariano)

"EXTRA, EXTRA!! VEJA NO JORNAL DE COIMBRA! APANHADO O
ASSASSINO DAS MULHERES DE MAU PORTE!!,
bramavam os ardinas da cidade,
vendendo jornais como se fossem pãezinhos quentes.

No posto de polícia, o chefe Aníbal Cavaco lia a notícia de primeira página -“Para grande espanto de toda a academia e da cidade de Coimbra, o conceituado Professor Reinaldo de Menezes y Garcia, um dos mais ilustres mestres da nossa Universidade, foi ontem, tarde da noite, surpreendido em flagrante quanto se prestava a matar, a golpes de navalha, aquela que seria a sua terceira vítima. Na refrega que se seguiu, enquanto tentavam manietá-lo, foi o meliante acometido por uma apoplexia assaz violenta, jazendo agora, entre a vida e a morte, no Hospital Universitário. Este caso macabro teve início…” Aníbal pôs o jornal de lado, endireitando o corpo na cadeira e acendeu pensativamente o quarto cigarro da manhã.
De repente adentrou o acanhado gabinete um excitado Abílio.
- “Maravilha, hein chefe? Um caso complicado resolvido em três tempos. O capitão Casimiro está fusiante de contente.
- Fusiante, Abílio? Não quererás dizer esfusiante?

- Foi o que eu disse, chefe.
- Cala-te um bocado, e senta-te aí, rapaz. Não há então nenhuma dúvida nessa cabecinha?
- Dúvida, chefe? Qual dúvida?
- Dúvida, homem, dúvida de que o culpado seja mesmo o professor!
- Por mor de Deus, chefe, atão o homem não foi apanhado a bem dizer com a mão na massa? Que dúvida pode haver, hein?
- Pronto, acalma essa cabecinha e tenta concentrar-te, fiz aqui um resumo do que sabemos deste caso e quero recapitular isto contigo.
- Desculpe, chefe, quer o quê?
- Rever o caso, Abílio, trocar impressões, ver se nos escapou alguma coisa, percebes?!
- Claro, chefe, reca… coméra a palavra, reca…
- Deixa, Abílio, não é importante, cala-te e ouve! Temos, então, um suspeito principal, o professor Reinaldo, vejamos o que sabemos dele. É idoso e não deve muito à saúde, certo?
- Certo, chefe!
- Foi chamado na noite do primeiro crime, mas nega tal facto.

- Certo, chefe!
- Se me dizes outra vez “certo, chefe” não respondo por mim…
- Certo chefe, quer dizer, desculpe, chefe.
- …
- Pronto, chefe, não fique assim, homem, olhe lá o coração, eu calo-me já.
- … continuando… foi visto pelo Mário Mendonça, à porta da casa da Isaura, preparando-se para levar o corpo da Adelaide, ajudado por dois desconhecidos, tendo-se confirmado que a sepultura da infeliz estava vazia. E foi apanhado pelo mesmo Mário quando, presumivelmente, se preparava para cometer um homicídio na pessoa da D. Isaura.
- Não era na pessoa, era mesmo nela, chefe, não estava lá mais ninguém.
- …
- Pronto, chefe, pronto, mas depois tem que me explicar essa.
- Abílio, é uma maneira de falar, quando se diz na pessoa de alguém, quer-se dizer nessa ou a essa mesma pessoa, entendeste?
- Entendi, chefe, pode continuar.
- Muito bem, agora uma pergunta, quando fomos ao hospital notaste no professor alguma ferida recente, uma ferida que pudesse ter sangrado abundantemente?
- Ah Ah! Então era isso que o chefe procurava quando rondou a cama a levantar as mantas e a espreitar. Ah, magano, comé qu’eu ia adivinhar? Mas uma ferida? Praquê?
- Lembras-te do segundo assassínio, o da Angélica? Lembras-te do rasto de sangue na janela e no telhado? Achas que a morta saiu para apanhar ar e voltou depois ao quarto?
- ahhh… agora é que percebi mesmo, o sangue era do assassino… mas’atão se o professor não tem uma ferida… atão não pode ser…
- Claro que não, Abílio, claro que não. E mesmo que tivesse, acreditas que um homem idoso e fragilizado consegue abrir peitos a golpes de canivete? E depois sair pela janela, saltitando de telhado em telhado? E mesmo que conseguisse, achas lógico que um eminente tanathologista, que tem acesso às ferramentas próprias e adequadas à sua profissão, iria usar uma navalha para o fazer?
- Ora, esta, ora esta… - repetia Abílio, com cara de espanto - o chefe realmente… ora esta… - de repente levantou-se de um salto - temos que ir dizer ao capitão, o homem ia a caminho de falar com o governador, ai Jesus, isto é que vai ser…
- Calma, senta-te, deixa lá o Casimiro agora. Tentei demovê-lo, não me quis ouvir, agora que se desunhe. Vamos mas é olhar agora para o Mário Mendonça.
- Ele está cá?
- ‘Olhar’, ‘debruçar-nos sobre’, ‘falar de’, homem de Deus!
- O chefe hoje parece na pessoa de um doutor a falar.
Aníbal esboçou um sorriso, decidindo nem corrigir o pobre Abílio.
- Mário Mendonça, filho de boas famílias, estudante aplicado, rapaz calmo, sem nada de anormal, até que, repara bem, descobre o cadáver da Adelaide, apanha o mesmo cadáver a ser roubado pelo professor Reinaldo, é agredido e raptado sem causa conhecida, conseguindo fugir pelos seus próprios meios e, para completar, é ele que surpreende e evita a dita tentativa de homicídio da Isaura? O que te diz tudo isto, Abílio?
- Não sei chefe, pode ser “cuncidência”, não acha?
- Pode sim, Abílio, pode ser essa tal de “cuncidência”, é muita mas pode. E, finalmente temos a terceira peça deste enredo, a D. Isaura.
- E que tem ela, chefe?
- Tem que foram cometidos dois crimes na sua casa e ninguém deu por nada. Tem que é cúmplice do professor Reinaldo no desaparecimento do cadáver da Adelaide, mas nega. Tem que, logo antes do Mário ser raptado, passou esbaforida por ele, gritando-lhe que fugisse, mas diz que nada viu. E tem que ia sendo apunhalada pelo professor, mas afirma que desconhece os motivos. É muito ‘tem’, não achas?
- Ó chefe, que embrulhada danada, quer dizer que estamos como no princípio, não é?
- Resumiste perfeitamente, Abílio, e ou muito me engano ou este caso ainda tem pano para mangas…

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Deitado de costas na enxerga, o olhar febril, fixo para além do tecto, o corpo em fogo, a voz ecoando na sua cabeça, premente, imperativa, exigindo sangue…

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem, isto está a avançar lentamente. Falta saber para onde.

Anónimo disse...

Olá, Carla, obrigado.
E retribuo relativamente ao teu capítulo, criaste o personagem mais denso até ao momento.
Vamos ver o que vem por aí...